O “novo” do Ano Novo se revela no interior de uma Gruta

“Tendo-o visto, contaram o que lhes fora dito sobre o menino” (Lc 2,17)

Celebramos neste primeiro dia do ano de 2025, a liturgia da solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus – dia mundial da Paz. Com a primeira leitura do livro dos Números, pedimos que Deus nos dê a sua graça e sua bênção, e sua face resplandeça sobre nós. De muitos modos, Deus nos falou, e nestes dias falou-nos por meio do seu Filho, nascido de Maria. Mais uma vez, rezamos com os pastores que foram apressadamente ao encontro de Jesus, e tendo-o visto, contaram o que lhes fora dito sobre o menino, e todos se sentiram maravilhados.

Foi essa a experiência vivida pelos pastores quando se deslocaram até à Gruta de Belém: viram a “eterna Novidade de Deus” revelada no rosto de um recém-nascido; é do interior de uma gruta que surge um novo tempo, um novo modo de viver, uma nova maneira de olhar as pessoas e a realidade, um novo compromisso… enfim, uma nova humanidade.

Podemos imaginar o momento do primeiro olhar dos pastores no encontro com o Menino Jesus… Surpresa, espanto, comoção, gratidão, alegria…! Naqueles olhos que se entrelaçam e se contemplam mutuamente, descobre-se o novo olhar de Deus sobre o ser humano, e o novo olhar do ser humano sobre Deus e sobre os irmãos. Deveríamos, ao longo deste novo ano que se inicia, situar-nos diante de Deus desse modo, com mais frequência, deixando os olhos, os d’Ele e os nossos, se falarem silenciosamente.

O cristão é aquele que conserva límpido os seus olhos interiores, prontos para perceber a maravilha que está sendo gestada em sua vida e ao seu redor. Movido por um olhar novo, ele acolhe a surpresa de Deus, passa a ser surpresa para os outros, com seu gesto de amor imprevisto, com sua palavra que reanima, com sua visita que consola, com sua atenção para com todos os que levam uma vida obscura e monótona.

Nesse “estado interior”, tudo é sempre novo. “Eis que faço novas todas as coisas” (Ap 21,5). Não se trata da ação de um Deus que intervém a partir de fora, mas do reconhecimento de que, sempre e em todo momento, tudo é novo, pois “Deus é Presença” em tudo e em todos. Mas só pode saborear isso quem sai do nível da superficialidade, na qual está hipnotizado ou enfeitiçado pelas exigências do próprio ego, e se situa naquela dimensão profunda que é essa mesma Presença.

A capacidade de assombro dos pastores pode ser uma boa disposição para iniciar o Ano Novo. O contrário do assombro é a rotina; o “eu já sei” ou “sempre foi assim” nos faz imunes ao milagre cotidiano da vida e seus sinais. Precisamos continuar aprendendo a olhar com profundidade a realidade em seus gestos pequenos e dirigir nossa atenção para aquilo que, muitas vezes, nossa lógica racional, invisibiliza ou despreza. Talvez, só assim entraremos em sintonia com o mistério do Amor que tudo habita e faz tudo novo.

A maior “novidade” que ninguém podia esperar é colocada nas mãos dos pobres e simples, aqueles que nunca tiveram uma oportunidade de serem escutados e valorizados. Mas, surpreendentemente, serão eles os mensageiros autorizados da transmissão da Novidade de Deus. Aqueles pastores, surpreendidos em meio ao trabalho, são convidados a sair, a deixar sua cotidianidade para abrir-se à novidade de um Deus que irrompe em suas vidas para transformá-las. Ao chegar no lugar onde estão Maria, José e o recém-nascido, imediatamente eles os reconhecem e sua alegria se converte em proclamação entusiasta daquilo que viram e ouviram. Seu anúncio é tão convincente que todos aqueles que os ouvem ficam impactados por seu testemunho.

Aquela noite, à margem dos grandes centros e dos interesses humanos de poder e vaidade, revelou-se como uma noite cheia de “encontros e conexões”, onde se deu início a uma nova rede de comunicação acessível a todo aquele que, de boa vontade, deseja entrar nela. É um sistema protegido pelo Espírito do Senhor, de alta fidelidade, que nunca cai, mas que é preciso entrar nele livre de vírus: do ódio, da intolerância, do preconceito, da busca de poder, vaidade…

A imagem dos pastores pede de todos nós uma atitude de abertura e de deslocamento frente ao outro, o que implica colocar-nos em seu lugar, deixar-nos questionar e desinstalar por ele… Importa, pois, re-descobrir com urgência o encontro humanizador como valor ético e como hábito permanente de vida. Somos chamados a viver o encontro como um estilo de vida, fundado no encontro de Deus com a humanidade.

O encontro, que nos faz sair de nós mesmos, nasce da compaixão  e nos leva a reconhecer no outro uma dignidade e uma capacidade criativa para superar toda divisão e conflito. A experiência da Gruta, lugar onde se visibiliza o “novo” de Deus, nos mobiliza a levar adiante a missão, a ir aos lugares do mundo onde há mais necessidade e ali realizar obras duradouras de maior proveito e fruto.

Neste dia, fazemos memória dos humildes pastores que se deslocam para uma gruta e vivem um encontro surpreendente; eles se fazem próximos d’Aquele que tomou iniciativa para se aproximar de toda a humanidade. Tal mistério deve nos inspirar a provocar encontros e diálogos que ajudem a integrar, a re-unir, a re-ligar, a articular o tecido comunitário. Há tantas vidas esparramadas, isoladas, rejeitadas… esperando por encontro. Na verdade, o Nascimento de Jesus provocou as pessoas a saírem de seu isolamento e padrões alienados de relacionamento para se expandir em direção a uma nova forma relacional com tudo o que existe; tal relação é a concretização do sonho do “Reino de Deus”.

Para terminar, quero recordar a mensagem do Santo Padre, o Papa Francisco para este dia mundial da paz: o perdão que gera a paz.

Em 2025, a Igreja Católica celebra o Jubileu, um acontecimento que enche os corações de esperança. O “jubileu” remonta a uma antiga tradição judaica, quando a cada quarenta e nove anos o toque da trombeta (em hebraico: yobel) anunciava um tempo de clemência e de libertação para todo o povo (cf. Lv 25, 10). Este apelo solene deveria ecoar por todo o mundo (cf. Lv 25, 9), a fim de restabelecer a justiça de Deus nos diferentes âmbitos da vida: no uso da terra, na posse dos bens, na relação com o próximo, sobretudo os mais pobres e os que tinham caído em desgraça. O toque da trombeta recordava a todo o povo, aos ricos e a quem tinha empobrecido, que ninguém vem ao mundo para ser oprimido: somos irmãos e irmãs, filhos do mesmo Pai, nascidos para ser livres segundo a vontade do Senhor (cf. Lv 25, 17.25.43.46.55).

Também nos dias de hoje, o Jubileu é um acontecimento que nos impele a procurar a justiça libertadora de Deus em toda a terra. Em vez da trombeta, no início deste Ano de Graça, nós gostaríamos de estar atentos ao «desesperado grito de ajuda» que, como a voz do sangue de Abel, o justo, se eleva de muitas partes da terra (cf. Gn 4, 10) e que Deus nunca deixa de escutar. Nós, por nossa vez, sentimo-nos chamados a unir-nos à voz que denuncia tantas situações de exploração da terra e de opressão do próximo. Estas injustiças assumem, por vezes, o aspecto daquilo a que São João Paulo II definiu como «estruturas de pecado», porque não se devem apenas à iniquidade de alguns, mas estão, por assim dizer, enraizadas e contam com uma cumplicidade generalizada.

Pe Adilson Luiz Umbelino Couto

Pároco de Nossa Senhora da Piedade – Barbacena