Pe. Adilson profere reflexão na primeira missa do Pe. José Mário

A primeira missa de Pe. José Mário depois de sua ordenação na manhã de sábado, dia 24, foi na parte da noite, na Capela da Beata Isabel Cristina. Centenas de fieis lotaram a capela para prestigiar este momento de bênção na vida de toda a Paróquia de Nossa Senhora da Piedade.

A homilia, proferida por Pe. Adilson, da Paróquia de Nossa Senhora da Piedade, foram com palavras destinadas ao mais novo padre da Arquidiocese de Mariana.

Confira a reflexão de Pe. Adilson.

Caríssimos irmãos e irmãs, prezados ministros ordenados, estimados familiares do novo padre; Revmo Pe José Mário Santana Barbosa, Louvado Seja Nosso Senhor Jesus Cristo. Sinto-me, muitíssimo feliz com sua ordenação presbiteral, neste dia, e com sua primeira missa, neste momento, na Capela da Beata Isabel Cristina, dentro da sua novena. E mais feliz, ainda, e emocionado porque me pediu para partilhar uma simples palavra, nesta celebração solene.

Pe José Mário, em sua primeira missa, como presbítero, gostaria de voltar a percorrer, brevemente, a existência do Santo Cura d’Ars (nosso padroeiro), frisando algumas das suas características, que podem servir de exemplo também para nós, sacerdotes desta nossa época, certamente diferente daquela em que ele viveu, mas sob vários aspectos, marcada pelos mesmos desafios humanos e espirituais fundamentais.

O Santo Cura d’Ars manifestou sempre uma elevadíssima consideração pelo dom recebido. Afirmava: “Oh! Como é grande o Sacerdócio! Não o compreenderemos bem, a não ser no Céu… Se o compreendêssemos na terra, morreríamos, não de susto, mas de amor!” Além disso, quando era criança confiara à mãe: “Se eu fosse sacerdote, gostaria de conquistar muitas almas” E assim foi. No serviço pastoral, tanto simples, quanto extraordinariamente fecundo, este pároco anônimo de uma aldeia perdida do sul da França conseguiu identificar-se a tal ponto com o próprio ministério, que se tornou, também de maneira visível e universalmente reconhecível, alter Christus, imagem do Bom Pastor que, contrariamente ao mercenário, dá a vida pelas suas ovelhas (cf. Jo 10, 11). Seguindo o exemplo do Bom Pastor, ele deu a vida nas décadas do seu serviço sacerdotal. A sua existência foi uma catequese viva, que adquira uma eficácia extremamente singular quando as pessoas o viam celebrar a Missa, deter-se em adoração diante do tabernáculo ou transcorrer muitas horas no confessionário.

Portanto, o centro de toda a sua vida era a Eucaristia, que celebrava e adorava com devoção e respeito. Outra característica fundamental desta figura sacerdotal extraordinária era o ministério assíduo das confissões. Reconhecia na prática do sacramento da penitência, o cumprimento lógico e natural do apostolado presbiteral, em obediência ao mandato de Cristo: “A quem perdoardes os pecados, serão perdoados, e a quem não os perdoardes, não serão perdoados” (cf. Jo 20, 23). Portanto, São João Maria Vianney distinguiu-se como confessor e mestre espiritual excelente e incansável. Passando, “com um só movimento interior, do altar ao confessionário”, onde transcorria uma boa parte do dia, procurava de todos os modos, com a pregação e com o conselho persuasivo, fazer com que os paroquianos redescobrissem o significado e a beleza da penitência sacramental, indicando-a como uma exigência íntima da Presença eucarística.

Bento XVI, por ocasião do ano sacerdotal, em 2009, dizia: os métodos pastorais de São João Maria Vianney poderão parecer pouco adequados para as condições sociais e culturais hodiernas. Com efeito, como poderia imitá-lo um sacerdote hoje, num mundo tão transformado? Se é verdade que mudam os tempos e muitos carismas são típicos da pessoa, portanto irrepetíveis, há, porém um estilo de vida e um anseio fundamental que todos somos chamados a cultivar. Considerando bem, o que tornou santo, o Cura d’Ars foi a sua fidelidade humilde à missão à qual Deus o tinha chamado; foi o seu abandono constante, cheio de confiança, nas mãos da Providência divina. Ele conseguiu sensibilizar o coração das pessoas não em virtude dos próprios dotes humanos, nem contando exclusivamente com um compromisso da vontade, por mais que este tenha sido louvável; conquistou as almas, mesmo as mais refratárias, comunicando-lhes o que vivia intimamente, ou seja, a sua amizade com Cristo. Foi “apaixonado” por Cristo, e o verdadeiro segredo do seu bom êxito pastoral foi o amor que nutria pelo Mistério eucarístico anunciado, celebrado e vivido, que se tornou amor pela grei de Cristo, os cristãos, e por todas as pessoas que procuram Deus.

Caros irmãos e irmãs, o seu testemunho recorda-nos que para cada batizado, e ainda mais para o presbítero, a Eucaristia “não é simplesmente um acontecimento com dois protagonistas, um diálogo entre Deus e eu. A Comunhão eucarística tende a uma transformação total da própria vida. Com força, abre de par em par, todo o eu do homem e cria um novo nós”

Pe José Mário, tendo apresentado, brevemente, algumas características de São João Maria Vianey, passo agora, a recordar, alguns pontos que o Papa Francisco nos coloca sobre o que é essencial do ser padre, e do nosso serviço eclesial, de modo geral.

Durante a vigília de Pentecostes de 2013 com representantes dos movimentos eclesiais, o Santo Padre disse: “Só vou dizer três palavras: a primeira: Jesus. A segunda palavra é oração. A terceira: testemunho”.

Sem Jesus não avançamos, sem Ele nada dá resultado: “sem mim nada podeis fazer… não vos chamo servos, mas amigos” (cf. Jo 15). Nossa missão é a imitação de Cristo, ou seja, tornar Jesus presente (cf. Bruno Forte), reapresentar o Cristo para o nosso povo. “Amor verdadeiro, intenso, pessoal a Nosso Senhor Jesus Cristo” (Dom Luciano no sínodo de 1990). “Apaixona-te por Deus, permanece apaixonado: isso decidirá o resto” (Pedro Arrupe). Apaixona-te por Jesus Cristo; continua apaixonado; disso dependerá tudo o mais em tua vida. O sacramento da ordem nos configura a Jesus Cristo no mais profundo do nosso ser; a nossa vida não encontra sentido fora dessa relação com Ele.

Daí brota a necessidade da oração, não como mera preparação para a missão, mas como parte integrante da missão. Deixar-se guiar por Jesus, deixar que Ele cuide de nós. Na homilia do mês missionário extraordinário, o Papa lembrou que o primeiro movimento da missão é subir ao monte. A missão começa no monte da oração; lá se descobre aquilo que conta… de lá se enxerga melhor o panorama, se tem um incremento de visão, um horizonte mais amplo para contemplar a realidade. A oração nos permite fazer uma radiografia da própria vida e da realidade que nos envolve; nos ajuda a enxergar a realidade com o olhar de Deus, a olhar na direção que Deus aponta. “Rezar é tomar posse de si mesmo para o serviço aos outros” (C. Martini).

A configuração a Jesus Cristo e a vida de oração desembocam no testemunho: anunciar o evangelho com a vida. Neste mundo da crise da palavra, no qual a palavra anda desgastada, desacreditada, prostituída, o testemunho exige de nós falar menos, mas falar com a vida inteira, a partir da busca sincera de coerência, do esforço de amadurecimento, de humanização, falar a partir do silêncio do nosso encontro com o Senhor; falar com gestos evangélicos que tocam o coração das pessoas. Viver o testemunho a partir de “uma vida simples, sóbria e austera” (Dom Luciano, sínodo de 1990); assumir a caridade pastoral como amor solidário que nos leva a nos assemelharmos àqueles que amamos – a semelhança é a medida do amor. “Para anunciar é preciso antes renunciar” (Francisco), esvaziar-se…

            Em outro momento, o pontífice atual, nos coloca quais devem ser as marcas de nosso ministério ordenado? Em 9 de fevereiro de 2017, o Papa falou que todo serviço eclesial se nutre de três “is”: inquietude, incompletude e imaginação.

A primeira palavra é inquietude, desassossego: “fizestes-nos para vós, Senhor, e o nosso coração estará inquieto enquanto não repousar em Vós”. O ministério faz de nós buscadores de Deus, profetas do sentido. Será que estamos conservando e alimentando essa inquietude, esse desassossego da busca? Só a inquietude pode dar paz ao coração de um padre. Sem ela caímos na acomodação, na repetição, na mesmice, na pastoral da conservação; começamos a buscar seguranças humanas, projetos pessoais, esquecemos a utopia do Reino de Deus. Sem a inquietude nós nos tornamos estéreis. Para realizar a missão devemos ter uma mente e um coração desassossegados. A certeza da fé deve ser o motor da nossa busca. Apoiar-se em Deus para não desistir de nossa vocação, de nossa missão. Uma das tentações modernas é renunciar às utopias. Uma fé autêntica implica sempre um desejo profundo de mudar o mundo. Eis a pergunta que devemos fazer: temos grandes visões e coragem de arriscar? Somos audazes? Ou somos medíocres, e contentamo-nos com o mínimo, o mais fácil e o mais cômodo? Diz o Papa que a santidade atual é feita de “ousadia e ardor” (GE § 129-139), como aparece nos Atos dos Apóstolos (parresia). Temos que nos cuidar para não ficar com o coração anestesiado, paralisado pelo medo, pela acomodação.

Em nosso ministério, somos interpelados continuamente a tomar consciência das feridas deste mundo, e encontrar terapias adequadas; colocar óleo sobre as feridas abertas. A segunda palavra é incompletude. Deus é o Deus sempre maior, o Deus que nos surpreende sempre, que não cabe nos nossos esquemas. Não podemos ter medo do incompleto, do provisório, da abertura para o novo, o diferente. As coisas humanas têm a marca da incompletude.  Por isso é melhor uma postura de abertura do que de fechamento e rigidez. Hoje num mundo tão complexo e cheio de desafios essa palavra incompletude nos convida a pensar em nossa fragilidade, em nossa radical ambiguidade. O ser humano nunca é completo e acabado, está sempre em construção. Precisamos aprender a lidar melhor com a nossa vulnerabilidade, nossa condição precária e limitada. Santa Teresa de Calcutá aconselhava um sacerdote escrevendo-lhe assim: “Deus não pode encher o que está cheio. Ele apenas pode encher o vazio – uma pobreza profunda – e o seu ‘sim’ é o começo de ser ou de se tornar vazio. Não é quanto realmente nós ‘temos’ para dar – mas quão vazios nós estamos – a fim de podermos recebê-lo por inteiro em nossa vida e de O deixarmos viver a vida Dele em nós (…) Tire os seus olhos de si mesmo e alegre-se por não ter nada – por não ser nada – por não poder fazer nada. Dê a Jesus um grande sorriso – cada vez que o seu nada o assustar”.

Não somos super-heróis; cuidado com a psicologia do príncipe (orgulho, prepotência, autossuficiência, o delírio do poder, as fantasias da onipotência, a dureza e a rigidez…); ela pode nos fechar em nós mesmos, nos tornar autorreferenciais e muito complicados. Precisamos admitir o nosso “ainda não” e não negá-lo… aprender a viver pacientemente com o “ainda não” (cada um tem o seu ‘ainda não’; importa reconhecê-lo e aprender a administrá-lo). Jesus reside no nosso lado inseguro, no nosso eu nunca totalmente integrado. Onde você é mais humano, mais frágil e vulnerável, é ali que Deus habita. “Quando sou fraco, então é que sou forte” (2Cor 12,10). “Basta-te a minha graça, pois é na fraqueza que a força manifesta todo o seu poder” (2Cor 12,9).

A incompletude nos abre para a necessidade do diálogo, de escutar o outro, de não fugir do confronto de ideias, a não ter medo do diferente, a não nos fechar nas ideologias, nem numa postura de suspeita, de preconceito. A fé nos dá convicções, mas não pode nos levar ao fanatismo. A incompletude no serviço eclesial nos faz reconhecer, como cristãos católicos, que Deus trabalha também fora dos confins da Igreja, o sopro do Espírito está presente em outras religiões, as sementes do Verbo não são propriedade exclusiva nossa. Precisamos alimentar as convicções sem cair no fanatismo.

A terceira palavra é imaginação. Na Igreja e no mundo, estamos no tempo do discernimento, da busca do essencial, esforço de criatividade para fortalecer a fidelidade. O discernimento realiza-se sempre na presença do Senhor, a partir da experiência da oração e do confronto com a Palavra de Deus, olhando para os sinais dos tempos, ouvindo o que acontece, acompanhando o caminho humilde do povo na sua luta diária, dando atenção ao sofrimento dos pobres. A sabedoria do discernimento resgata a necessária ambiguidade da vida, nos desafia a entrar nela, como fez o Senhor Jesus ao assumir a nossa carne. O discernimento é viver o confronto entre as exigências ardentes do coração humano e a mensagem perene do Evangelho (Paulo VI). O Papa Francisco nos convida frequentemente a essa prática do discernimento espiritual, para ajudar na busca de soluções para as questões pastorais do nosso tempo.

 Pe José Mário, que Maria, a Senhora da Piedade, a mãe dos sacerdotes, São José, São Bartolomeu e a Beata Isabel Cristina intercedam pelo senhor e lhe ajudem na vivência da sua consagração no ministério sacerdotal. Seja muito feliz. Deus abençoe conte com nossa fraternidade, amizade e orações. Parabéns, pedindo também sua bênção neo-sacerdotal.