MORTE e VIDA

MORTE e VIDA   Neste dia de Finados, uma parada para breve reflexão sobre a Vida e a morte. Não há morte, mas somente vida. A morte não é desgraça, nem castigo, mas uma dimensão do ser finito. Por sermos seres finitos, somos mortais. Desde nossa concepção no ventre materno, já somos suficientemente velhos para morrer. O morrer é um ato de nossa natureza. “Lembra-te homem que és pó em pó te tornarás” (Gn 3, 19). E mais, a morte não se encontra num momento da vida, mas em todos os momentos, faz parte da vida. Mesmo que Adão e Eva não tivessem pecado, todos morreríamos.

O decreto da morte é universal, todos morrem. Apenas o dramático da morte, afirma a Bíblia, é consequência do pecado. Mas, por ser a morte, uma das mais certas verdades de nossa vida, a tiramos de nossa mente. São os outros que morrem, não nós. Na mentalidade de nosso tempo, tudo se faz para anestesiar a reflexão sobre a morte como realidade para todos. Mas, fugirmos da reflexão da morte, é fugirmos da reflexão sobre a vida.

A morte questiona a vida. Exige o porquê e o para quê de nossa vida. Caminharmos simplesmente para a morte, é um absurdo, diante de alguém que tem a consciência do viver, do existir, do eternizar-se. Nem basta prolongarmos puramente a vida, se tudo termina com a morte. Falarmos do absurdo da morte é dizermos que a vida é absurda.

Esta é a verdade. Diante da realidade da morte, precisamos, com urgência, lhe dar um significado, se quisermos que a vida tenha sentido. Fora disto, nos resta a angústia.

A Lógica da Natureza Para compreendermos a morte, não como fim, mas como caminho para a vida, devemos melhor compreender a lógica da natureza. Tudo o que nos cerca, fala da vida. Se a semente não morresse, não teríamos a beleza de uma árvore. Se o botão não deixasse de ser botão, não teríamos a surpresa de uma linda flor. Se a flor não morresse, nunca chegaríamos à riqueza do fruto. Se o fruto não morresse, não poderia se transformar em vida em cada um de nós. Tudo na natureza tem o ciclo da morte para mais vida. Somente nós caminhamos para o menos, para a morte, como fim de tudo?

Seríamos nós, menos que a simples natureza em seu existir e caminhar para morte? Nossa morte, não pode ser fim, mas exige um fim-começo, fim-plenitude.

Por outro lado, os antropólogos (estudiosos da vida humana no tempo e através dos tempos) constatam que o mais forte traço das civilizações em todos os povos da terra é a busca da transcendência. O impulso espiritual, isto é, a busca pela transcendência é um dos mais fortes impulsos do coração humano

. Diante deste dinamismo das leis da natureza, como diante desta sede natural de transcendência presente no coração de todos os povos, vem Deus, que, através de Jesus, nos ensina que o verdadeiro sentido e significado da vida humana vem dele: “Desde toda eternidade eu pensei em ti, te chamei à vida, te fiz filho, filha do Filho, herdeiro, co-herdeiro da vida eterna” (Ef 1, 2s). Aspirações do coração humano e revelação divina se completam e se explicitam. “Na casa de meu Pai há muitas moradas, se não fora verdade eu vos teria dito. Agora eu volto para meu Pai e vosso Pai, e depois de ir, voltarei para vos levar comigo, para que onde eu estou, estejais vós também” (Jo 14, 1s).

Não há morte, só há vida. Na fé, a morte não é morte, é graça, é caminho de encontro, de posse da vida e passagem para vida em plenitude.

Cristo nossa esperança Mas, acima de tudo, nossa vida e nossa morte se definem, iluminam-se e se interpretam na vida, paixão, morte e ressurreição de Cristo. “Se Cristo não ressuscitou, somos de todos os homens os mais dignos de pena. Mas, sabemos que Cristo ressuscitou. Ele é nossa esperança” (1Cor 15, 17-20).

A partir da vida, morte e ressurreição de Cristo, não há mais morte, mas só vida. Na vida, morte e ressurreição de Cristo, nossa vida e morte se interpretam e se transformam em esperanças de vida, de encontro, de fim-plenitude. Mesmo a paixão da morte física, com todo seu preço de dor e de agonia, se transforma em participação no mistério de Cristo, em vida. Esta é a certeza de nossa fé, o fundamento de nossa esperança cristã.

A melhor forma de vivermos nossa vida a caminho da casa do Pai, não é tanto termos medo da morte física, mas é mais vivermos nossa vida, de tal forma dentro dos parâmetros do bem, que após cada dia que passa, fiquemos com saudades do dia que passou. E quando enfim, chegar a hora de nossa morte física, que nada mais nos reste doar a Deus e aos irmãos que nossa própria morte física como nosso último ato de amor. Amarmos cada momento de nossa vida é e será sempre a melhor forma de prepararmos nossa morte.

Nosso passaporte: o amor
Entretanto, se quisermos mesmo obter o visto de nosso passaporte para a eternidade, busquemos acima de tudo, no aqui e agora, amarmos a Deus no rosto de cada irmão e irmã que sofre em nosso meio e pelo mundo. “Vinde benditos, benditas de meu Pai, porque eu estava com fome, com sede, nu, abandonado, carente, necessitado e me acolhestes. (Mt 25, 31s).

Pelas últimas estatísticas, sabemos que na humanidade há mais de 2 bilhões e 500 milhões de pessoas à margem da vida, sem falarmos da marginalização dos valores do humano e do espiritual. Que esta oportunidade, como apelo vivo de Deus, nos faça abraçar a causa dos que mais sofrem em nosso meio e pelo mundo como o melhor endereço para a eternidade. Refletirmos sobre a morte é refletirmos sobre a vida. Buscarmos a superação da morte, é acima de tudo dizer um “não” a todo tipo de morte em nosso coração e na realidade do mundo que vivemos. Quem não ama a vida, não prepara a morte.